Com 12 feminicídios, Cochabamba ocupa o segundo lugar na Bolívia, igualando o total do ano anterior

Sonia AR morreu na quarta-feira, 7 de agosto, devido a múltiplas facadas e golpes na cabeça, além de um corte profundo no pescoço que causou sua morte. O incidente ocorreu em Cochabamba, no centro da Bolívia, e o principal suspeito do feminicídio é o marido da vítima, que está foragido.

A mulher de 38 anos foi encontrada morta pelos filhos. Seu corpo jazia no chão de sua casa, localizada no povoado de Chasqui, em Ivirgarzama, município de Puerto Villarroel, no Trópico de Cochabamba. Ao lado do corpo foi encontrada uma faca, supostamente usada pelo marido, de 46 anos, para cometer o crime antes de fugir do local.

Cochabamba sofreu um duro golpe esta semana, já que no mesmo dia, 7 de agosto, foi noticiada pela manhã a descoberta do corpo sem vida de outra mulher. Tratava-se de Rocío PR, uma jovem de 24 anos e mãe de dois filhos. O incidente ocorreu na área de Mallco Chapi, em Sipe Sipe. O marido dela, Abel SV, 35 anos, é o principal suspeito do feminicídio. Embora ele alegue sua inocência, seus testemunhos são contraditórios. Inicialmente, ele alegou que um ladrão havia entrado em sua casa, esfaqueando a mãe de seus filhos. Porém, dois dias depois ele mudou sua versão, sugerindo que a morte de sua esposa estava ligada a questões de “tráfico de drogas”.

O advogado Marcelo Sánchez, do Observatório de Justiça da Fundação Voces Libre, que apoia a família da vítima, declarou que as versões de Abel são “totalmente inconsistentes” e que a investigação revelará a verdade. Enquanto isso, o marido permanece em El Abra, a prisão de segurança máxima de Cochabamba, sem prazo definido.

Rocío foi brutalmente assassinado. Seu corpo apresentava 11 facadas, principalmente no tórax e abdômen. O marido dela, que foi encontrado com alguns ferimentos nas costas e no braço, mas nenhum deles grave, recebeu atendimento médico e recebeu alta no mesmo dia. Em seguida, foi transferido ao Instituto de Investigações Forenses (IDIF) para prestar seu depoimento informativo.

Segundo familiares de Rocío, ela era uma mulher dedicada à família, mas o marido muitas vezes discutia por ciúmes. Rocío escondeu os ataques para não preocupar a mãe, que havia sido diagnosticada com diabetes e qualquer preocupação lhe causava problemas. Esta foi uma das razões pelas quais ele decidiu permanecer em silêncio.

Os assassinatos de Sonia e Rocío fazem parte dos 54 feminicídios registrados na Bolívia entre 1º de janeiro e 7 de agosto deste ano, país onde ocorre um desses crimes a cada quatro dias.

No mesmo período do ano passado, foram notificados o mesmo número de feminicídios em todo o país. O que chama a atenção é a posição de Cochabamba, que atualmente é o segundo departamento com mais feminicídios, com um total de 12 casos. No ano passado, no mesmo período, Cochabamba registrou nove feminicídios e ficou em terceiro lugar no país. Além disso, o departamento fechou o ano com 12 casos, número que já atingiu este ano, faltando mais de quatro meses.

Esta situação colocou Cochabamba em alerta e Nivia Coca, do coletivo Mujeres de Fuego, manifestou a sua preocupação com a “onda de violência”. “Estamos indignados com estes acontecimentos e esta onda de violência. Sentimo-nos impotentes. Assim que o caso Sipe Sipe avançava, tomamos conhecimento do caso Ivirgarzama. A maioria dos casos está a ser registada em áreas rurais; Por exemplo, 85% deles ocorreram em áreas rurais”, afirmou Coca.

Pediu às autoridades que agilizem os processos, para que as acusações sejam resolvidas rapidamente e seja realizado um julgamento que garanta o acesso à justiça.

Mulheres marcham em protesto contra o feminicídio. / NOÉ PORTUGAL
Mulheres marcham em protesto contra o feminicídio. / NOÉ PORTUGAL

BOLÍVIA PREOCUPADA Há três dias, o Procurador-Geral do Estado, Juan Lanchipa, manifestou preocupação com o aumento dos casos de violência que resultaram na morte de mulheres. Explicou que o Ministério Público está realizando investigações com eficácia próxima de 90% na identificação dos autores. Além disso, vários dos arguidos foram submetidos a procedimentos abreviados que culminaram em condenações. Em Cochabamba, de todos os processados, cinco receberam sentenças.

Quanto aos feminicídios, Lanchipa explicou que, dos 54 casos registados, 13 ocorreram em La Paz, 12 em Cochabamba, 10 em Santa Cruz, 7 em Tarija, 4 em Oruro, 4 em Potosí, 2 em Chuquisaca e 2 em Beni. Pando é o único departamento que não registou casos nesta tipologia.

DESAFIOS DA LEI 348 Na Bolívia, em 9 de março de 2013, foi aprovada a Lei 348, conhecida como “Lei Integral para Garantir às Mulheres uma Vida Livre de Violência”, que protege as mulheres de qualquer tipo de violência. Apesar de já terem passado 11 anos desde a sua promulgação, ainda persistem desafios no seu conhecimento e aplicação efetiva. Entre os tipos de violência contemplados por esta lei está o feminicídio, definido como “a ação de extrema violência que viola o direito fundamental à vida e provoca a morte de uma mulher pelo fato de ser mulher”.

Geralmente, os feminicídios são perpetrados por pessoas próximas da vítima, como maridos, companheiros ou ex-companheiros, que, antes de cometerem o crime, exercem contra ela uma violência brutal.

Exemplo disso é o caso da deputada Irma, de 30 anos. A mulher sofreu violência sistemática por parte do companheiro, Ponciano Alanes Morales, 29 anos, que a tirou a vida em junho deste ano. Ponciano tentou se desfazer do corpo, mas durante uma patrulha de rotina, o corpo de Irma foi descoberto no porta-malas de seu táxi em Sipe Sipe, Valle Bajo de Cochabamba.

Ao ser encurralado, Ponciano admitiu o crime e passou por um julgamento abreviado, no qual recebeu a pena máxima de 30 anos de prisão.

Segundo Mercedes Cortez, representante da Fundação Voces Libres, em entrevista anterior, apenas 3 em cada 10 mulheres que sofrem violência ousam “quebrar o silêncio”. Contudo, o processo para obter justiça é bastante longo, levando muitos a abandonar o processo; Apenas 1% dos casos chega a uma sentença.

Durante esse período, as vítimas experimentam exaustão emocional e financeira. Por exemplo, em seis anos de tramitação, muitos acabam abandonando os seus processos, conciliando-os, ou enfrentando o seu encerramento ou demissão. Cortez ressalta que, na época em que a lei foi promulgada, já tínhamos um sistema penal colapsado. Os recursos humanos nos tribunais, no Ministério Público e na polícia não são suficientes e, além disso, necessitam de ser especializados. É também necessário que o Governo adopte medidas e políticas que garantam, conforme estipulado na Lei 348, que a erradicação da violência seja uma prioridade nacional.

Uma mulher detém um exemplar da Lei 348 e da Constituição Política do Estado para reivindicar e defender os seus direitos. / NOÉ PORTUGAL
Uma mulher detém um exemplar da Lei 348 e da Constituição Política do Estado para reivindicar e defender os seus direitos. / NOÉ PORTUGAL

DADOS: VIOLÊNCIA Segundo dados da Procuradoria Geral do Estado, entre 1º de janeiro e 31 de julho deste ano foram tratados 28.876 casos sob a Lei nº 348 na Bolívia, dos quais 21.821 correspondem a violência familiar ou doméstica, ou seja, 75,7%.

As organizações, instituições e movimentos de mulheres destacam a promulgação da Lei 348 como um avanço significativo na luta contra a violência sexista e patriarcal. Contudo, ainda há um longo caminho a percorrer para avançar na construção de um Estado que garanta maior justiça, igualdade e respeito às mulheres.

As mulheres que sofrem violência podem recorrer a diversas entidades para receber atendimento, entre elas a Polícia, o Ministério Público, o Serviço Jurídico Integral Municipal (SLIM), a Defensoria da Criança e do Adolescente (para casos que envolvam menores de 18 anos), a Ouvidoria Gabinete, os Serviços Integrados de Justiça Plurinacional e o Serviço Plurinacional de Defesa das Vítimas. Todas estas instituições têm a obrigação de prestar apoio.

Elaboração própria com dados da Procuradoria Geral do Estado.
Elaboração própria com dados da Procuradoria Geral do Estado.

QUAIS CIRCUNSTÂNCIAS DEFINEM A PENA PARA O CRIME DE FEMICÍDIO? De acordo com o artigo 252 bis do Código Penal, o feminicídio é punível com 30 anos de privação de liberdade sem direito a perdão, e é aplicado em nove causas:

Quando o autor for ou tiver sido marido, companheiro, namorado, companheiro, amante ou tiver ou tiver tido qualquer tipo de relação afetiva, mesmo sem coabitação.

Quando a vítima se recusou a estabelecer relacionamento, amor, carinho ou intimidade com o agressor.

Quando a vítima está grávida.

Quando a vítima for dependente ou subordinada do agressor, ou seja, funcionário, estudante, filha, sobrinha, ou tiver relação de amizade, trabalho ou companheirismo com o agressor.

A vítima está em situação vulnerável.

Quando, antes da morte, a mulher tiver sido vítima de violência física, psicológica, sexual ou económica, cometida pelo mesmo agressor.

Quando o acto tiver sido precedido de um crime contra a liberdade individual ou a liberdade sexual, por exemplo violação ou rapto.

Quando a morte tiver a ver com crime de tráfico ou contrabando de pessoas.

Quando a morte é resultado de rituais, desafios grupais ou práticas culturais.

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